terça-feira, maio 31, 2011

Fazendo Ciência com Fotografia

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Vista geral do ninho no momento de
eclosão de um dos nove ovos.
Foto: © Daniel De Granville, 2008

Em abril de 2008 contei aqui no blog a história do ninho de falsas-corais na Serra do Japi (SP) que acompanhei e fotografei durante uma semana, tendo o privilégio de acompanhar o nascimento de nove cobrinhas. As cenas renderam até um vídeo no estilo “time lapse” (assista aqui). Tudo graças à sensibilidade ambiental do Nelson, um de nossos vizinhos na época.


Assista o nascimento das 9 falsas-corais!
Fotos e arte: © Daniel De Granville, 2003-2010

A ideia original era só essa mesmo: fazer um bom registro fotográfico e divulgar as imagens. Mas quase dois anos depois, em fevereiro de 2010, recebi a interessante mensagem de um pesquisador do Instituto Butantan, renomado centro brasileiro de pesquisas de serpentes. Ele dizia: “Meu nome é Henrique, trabalho no Instituto Butantan e sou aluno de Doutorado pela USP. Estive lendo no seu blog sobre o verdadeiro achado que foi esse ninho da falsa-coral. Antes de tudo, gostaria de parabenizá-lo pelas fotografias e pela descrição do ocorrido. Queria dizer que o que encontraram foi realmente muito raro e uma informação muito preciosa”. E continuava com a proposta de publicarmos os dados em uma revista científica. Como a câmera fotográfica grava todos os dados de data e horário para cada foto, tínhamos em mãos um registro detalhado sobre o padrão de eclosão de todos os ovos.

Assim foi feito. Trocamos ideias, discutimos detalhes e o artigo foi submetido para avaliação pelo periódico científico. Na semana passada Henrique me traz as boas novas em outra mensagem: “Daniel, estou escrevendo para dar boas notícias. Finalmente nosso trabalhinho foi publicado na Herpetology Notes. Está em anexo e também disponível on-line”.

Estúdio improvisado por uma semana...
Foto: © Tietta Pivatto, 2008

Mais uma lição para os fotógrafos de natureza Brasil afora, que às vezes fazem registros de muita importância para a ciência. É bom destacar que provavelmente a história renderá um segundo artigo científico, vamos aguardar!

Deste episódio, quem fez o meu Curso de Fotografia de Natureza, que acabou anteontem, vai se lembrar de pelo menos quatro "ensinamentos" do módulo "Técnicas de Campo" :-)


.: SAIBA MAIS :.

LEIA O ARTIGO CIENTÍFICO
"Natural nests of the false-coral snake Oxyrhopus guibei in southeastern Brazil"
Henrique Braz and Daniel De Granville Manço
Herpetology Notes, volume 4: 187-189 (2011)
(published online on 22 May 2011)

VEJA A HISTÓRIA ORIGINAL NO BLOG

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segunda-feira, maio 16, 2011

Formigas Mergulhadoras
e Fungos Luminosos

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Formigas "normais" visitam
uma flor amazônica quase seca.
Foto: © Daniel De Granville, 2011

Toda vez que penso na Amazônia, me lembro de sua grandiosidade, uma terra de superlativos: a maior floresta tropical, o maior rio, as maiores árvores... Mas desta vez, me esforcei para prestar atenção nos pequenos detalhes, aqueles que quase sempre passam despercebidos frente à exuberância de tudo ao redor.

Um sapo-folha camuflado no piso úmido da floresta.
Foto: © Daniel De Granville, 2011


Estávamos em uma reserva ambiental do PDBFF/INPA onde são feitos estudos ligados à fragmentação de ambientes florestais na região amazônica. Como esta não é uma expedição fotográfica (estou guiando um grupo da Ambiental composto por estudantes e professores dos EUA), nem pensar em ficar horas esperando os passarinhos posarem para minhas fotos. Fotografei o que achava mais interessante e que não demandasse muito tempo, ou seja, coisas bacanas que todos estavam vendo, curtindo – e fotografando também.

Uma simples folha de palmeira abriga grande variedade
de musgos e fungos
que crescem em sua superfície.

Foto: © Daniel De Granville, 2011

Assim, dentre outros caprichos amazônicos, nos deparamos com duas situações que, de tão espetaculares, pareciam irreais. A primeira delas foi durante caminhada até uma lagoa, onde encontramos nada menos do que formigas que caminham tranquilamente embaixo da água! Lá estávamos nós em cima de um tronco caído sobre a lagoa, quando notamos um grupo de formigas que, sem a menor cerimônia, entravam e saíam da água caminhando sobre o talo submerso de uma enorme folha de palmeira. De vez em quando, uma se soltava e boiava até a superfície, talvez para tomar fôlego...

Pra não dizer que estou mentindo, aí estão as tais "formigas mergulhadoras"!
(...que falta faz uma pequena câmera subaquática nestas horas...)
Foto: © Daniel De Granville, 2011

Depois desta visão tão bacana, foi a hora de fazermos uma caminhada noturna pela mata, em busca de fungos bioluminescentes. Mal saímos do acampamento, apenas para nos afastarmos da luz, e já começamos a ver umas manchas que acendiam o chão sobre as folhas caídas. Em um primeiro momento parecia apenas a luz do luar passando por entre a copa das árvores, mas depois constatamos que eram milhares de minúsculos esporos de fungos que brilhavam no escuro, algo parecido com aqueles interruptores de lâmpada que temos na parede de casa.


Durante o dia é apenas serrapilheira - à noite, parece um chão estrelado.
Acredita-se que a bioluminescência dos esporos dos fungos atraia alguns
insetos, que acabam involuntariamente dispersando-os.
Foto: © Daniel De Granville, 2011


Resultado do dia: vimos árvores com dezenas de metros de altura, macacos com alguns quilos de peso, florestas a perder de vista - mas o que mais nos fascinou foram pequenas formigas e esporos de fungos praticamente invisíveis...


Tubos de argila construídos por ninfas de cigarras
(pelo que pesquisei, servem para protegê-las da umidade
e inundação em terrenos sujeitos a estas condições).
Foto: © Daniel De Granville, 2011

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segunda-feira, maio 02, 2011

Valorizando a Natureza do Seu País
(ou: "Como Agradar Seu Cliente")

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¡ Muchas Gracias, Señor Comandante!
Foto: © Daniel De Granville, 2011

Alguns no avião estranharam quando o comandante da Aerolíneas Argentinas decolou nosso MD-80 de El Calafate para Buenos Aires e rumou para a direção oposta. Como estávamos no lado argentino da Cordilheira dos Andes e Buenos Aires fica ao norte, os picos nevados deveriam ficar à nossa esquerda, mas estavam à direita.

Logo descobrimos a razão: o piloto estava apenas nos levando para um voo panorâmico sobre o Glaciar Perito Moreno, naquele meio de tarde de sábado incrivelmente ensolarado - e soube manter a surpresa até o último momento. Quando anunciou no sistema de som que a geleira mais famosa do mundo estava à nossa direita, a agitação foi inevitável. Todos os passageiros do lado esquerdo do avião – eu incluso – ignoraram o aviso de atar cintos e se levantaram para olhar pela janela dos vizinhos. Só de ter conseguido enxergar um pouco daquela maravilha por frestas entre as pessoas já foi um delírio, mas o que viria em seguida foi ainda mais espetacular: o comandante gente boa fez meia-volta e avisou que agora o glaciar ficaria do lado esquerdo da aeronave. Corri rapidinho para meu lugar, sentei na janelinha e consegui fazer umas fotos.


Ecoturistas caminham pelo Glaciar Perito Moreno.
Foto: © Daniel De Granville, 2011

O comandante foi aplaudido efusivamente, e com certeza a experiência inesquecível ficou eternizada e será replicada inúmeras vezes pelos privilegiados passageiros nas rodas de conversa com seus amigos, nos Facebooks e Twitters da vida. Isto que eu chamo de saber promover um destino ecoturístico! Eu nunca ouvi um piloto de avião brasileiro falando sobre a Amazônia, sobre as belezas do Cerrado ou do Pantanal, quando sobrevoam estes biomas (desviar a rota então, nem sonhando) - e já mandei duas vezes esta sugestão para uma de nossas maiores companhias aéreas, nos tempos em que eles ainda se preocupavam de verdade com a opinião do passageiro e disponibilizavam nos voos uma cartinha para “falar com o presidente da empresa”. Acho que ele não teve tempo de ler a minha...

Anúncio promovendo a província argentina de de Santa Cruz,
onde fica El Calafate, na revista de bordo da Aerolíneas Argentinas.
Note que a propaganda usa exclusivamente fotos de aves e
- mais incrível ainda - respeita os créditos dos autores das fotos!


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Especialmente para o nosso grupo, que após passar 5 dias conhecendo as belezas da Patagônia foi brindado com a tão esperada neve durante o último café da manhã da viagem, a emoção de ver o Glaciar Perito Moreno do alto deixou todos com a sensação de ter fechado o roteiro com não apenas uma, mas com duas chaves de ouro!

Gaivota contempla a paisagem de Ushuaia
após a neve do nosso último dia na cidade...


... enquanto os leões marinhos aproveitam
o solzinho de outono no Canal de Beagle.
Fotos: © Daniel De Granville, 2011
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