quarta-feira, julho 12, 2006

“Avis Rara” (ou “Sobre as Alegrias
e Agruras de um Fotógrafo de Natureza”)

Gavião-real (Harpia harpyja) pousa em seu ninho sob chuva
no Parque Nacional da Serra da Bodoquena, Bonito, MS

FOTO: © Daniel De Granville, 2006




A Biologia faz parte da minha vida profissional há mais tempo do que a fotografia, mas meu apego pela natureza vem de muito antes, desde a época em que eu era moleque e nem precisava pensar em uma carreira. Ainda me lembro da reação da minha mãe no dia em que entrou no meu quarto e encontrou as paredes cheias de taturanas cabeludas, que eu havia trazido em uma caixa de sapatos e queria “criar para virarem borboletas”.

Devido a esta minha forte ligação com a vida selvagem desde a infância, associar as duas atividades – Fotografia e Biologia – e fazer delas uma profissão tem sido, mais do que um objetivo planejado, uma tendência natural. Conhecer os animais na teoria e na prática, e gostar muito deles, é fundamental para conseguir as imagens que desejo.

Mas apesar de todo o glamour em torno da fotografia de natureza, não é uma carreira fácil. Um dia você está madrugando em lugares como o Pantanal, tendo que andar no escuro por brejos cheios de jacarés e rodeado por nuvens de mosquitos, esperando o nascer de um sol que logo elevará a temperatura para mais de 40 graus. Semana seguinte você pode estar congelando os dedos e orelhas à beira de um precipício em cima dos Alpes Bávaros à espera da melhor luz. Assim como você sofre, o mesmo acontece com o equipamento fotográfico, que é extremamente caro e sensível. Uma falha mínima e todo o seu trabalho pode estar perdido... Isto me deixa em um constante estado de tensão quando estou em campo, até que a fotografia esteja finalmente salva no computador, impressa no papel ou entregue ao cliente.

As fotos que ilustram este texto, por exemplo, consumiram no total mais de 40 horas de “plantão” em condições adversas e arriscadas, para alguns poucos bons momentos para fotografar. Talvez não mais do que 5 minutos...

Ao mesmo tempo, no entanto, é uma vida incrivelmente gratificante. Cada vez que eu passo horas observando cenas que pouca gente no planeta jamais terá a chance de presenciar, como uma espécie rara de gavião trazendo caça para alimentar seu filhote na primeira luz da manhã, me sinto privilegiado e realizado.

Gavião-de-penacho (Spizaetus ornatus) cuida de seu filhote no ninho - Região da Serra de Maracaju, MS
FOTO: © Daniel De Granville, 2006



As pessoas frequentemente me perguntam se eu não tenho medo de passar horas ou dias sozinho em ambientes remotos repletos de animais e outros “perigos da natureza”. Talvez eu até devesse mesmo ter mais cuidado com determinados riscos, mas quando estou em uma área natural fotografando eu me sinto plenamente integrado com tudo ao redor. Além disto, preciso me concentrar muito para fazer meu trabalho, e aqui não cabem outras preocupações que possam me atrapalhar.

Para mim, o mais importante dentro deste trabalho, além da persistência, paciência, preocupação com mínimos detalhes e personalidade incansável, é ter um posicionamento ético com relação aos ambientes naturais. Primeiro, jamais aceito causar uma perturbação excessiva em determinado local só para conseguir a imagem que eu quero. Segundo, sinto-me sempre na obrigação de retribuir à natureza por tudo de bom que ela me propiciou até hoje.

Mostrar fotografias de minha autoria é uma das maneiras que tenho para atingir este objetivo. Se as pessoas se sensibilizarem ao verem as imagens e assumirem uma postura de respeito e admiração para com a natureza, considero que minha missão esteja cumprida.


Uma mão, cinco dedos, cinqüenta mosquitos!
(A trabalho fotografando no Pantanal)

FOTO: © Daniel De Granville, 2006

Um comentário:

  1. Anônimo15:02

    Que depoimento lindo, maduro e responsável!! Parabéns pelo seu trabalho!!! Felicidades!! Susi.

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